Não demorou para sentir que havia algo de estranho. Na semana anterior ao carnaval, fui informado que a fantasia, que eu pegaria um dia antes do desfile, só seria entregue no dia, na hora do almoço. Até aí, tudo bem, já que muitas agremiações fazem isso mesmo, tendo em vista os vários atrasos (falta de grana) que ocorrem. O problema começou quando, na sexta-feira às 11 da manhã, recebo uma ligação do diretor do naipe avisando que a entrega havia sido cancelada e que só ocorreria na concentração. “Xiii, tem caroço nesse angu…” Ora, isso acontece nas escolas da Intendente Magalhães, onde os ritmistas são praticamente catados no laço, mas na Sapucaí? “Hum, sei não”… “há algo de podre no reino da Dinamarca”, diria o sabido Hamlet.
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Salve o pavilhão azul e branco!
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Para me precaver, cheguei à concentração por volta das 20h. Com a previsão de início do desfile por volta das 21h40min, eu teria tempo mais do que disponível para reencontrar os amigos, me arrumar, bater um papo e afinar a “chorona”, o que sempre deixo por último. Muitos ritmistas já estavam aguardando, porém o caminhão com os instrumentos não tinha chegado, bem como as fantasias mas, quando fui questionar, me diziam para ficar tranquilo, não esquentar que não era nada demais. Sei… Até que…
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Mestre Dó (Fonte: Internet)
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Vi o mestre Dó cercado de gente. Ouvi uma gritaria e muito choro. Não demorou para todo mundo se aproximar para saber o que era aquilo. “Mas o que é que tá acontecendo?” era a pergunta que mais se fazia.
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Galera da bateria “Pegada de King” (Fonte: Internet)
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“Não tem fantasia? Como não? Tá de sacanagem, né?” – pronto, tudo estava explicado. A história atingia seu ápice. Nós entraríamos na avenida sem as tão ansiadas roupas. Alguns, visivelmente transtornados, foram embora. Outros, mais empolgados, achavam que fariam história por aparecer na televisão daquela maneira. Não achei que faríamos história, mas deixar os colegas na mão não era opção.
Partimos rumo ao sambódromo. Tal qual mercenários de um exército sem nome, não tínhamos uniforme. Cada um por si. Todos nos olhavam, com aquele olhar de curiosidade e espanto. Nós também olhávamos. Fora os ritmistas, tudo na escola parecia muito bonito e organizado, quando…
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Confesso, eu achei que a calcinha e o sutiã eram fantasias (Fonte: Internet)
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Passamos por uma ala e ouvimos mais reclamações acalentadas. Incrível, a escola havia desrespeitado dois de seus maiores estandartes, a bateria e os passistas (mais tarde soube que as baianas também passaram pela mesma situação). E eles estavam como nós, sem a prometida vestimenta. “Por que a bateria não vem assim também? Todo mundo nu!”, bradou uma passista, para risadaria geral. Isto, de algum modo, acalmou os ânimos dos mais exaltados. Alguns deles também foram embora, com vergonha de se exibirem daquela maneira. Não os culpo. Talvez fizesse o mesmo.
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“Todo mundo nu!" (Fonte: Internet)
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Quando chegamos ao nosso ponto de encontro, algumas calças brancas surgiram misteriosamente. Uma correria. Alguns pegaram, outros não (incluindo eu). Não havia em número suficiente para todos. Camisas também apareceram mas, semelhante às calças, eram poucas. A única coisa que chegou para todo mundo foram os pares de sapatos azuis. A ordem foi para que os usássemos. Revendo hoje, fica óbvio que não fez diferença alguma.
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Entrando na avenida (Fonte: Internet)
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Já estávamos prontos e formados. Só faltava uma pessoa. A rainha da bateria. Ariadna Thalia. A primeira transexual a participar do Big Brother Brasil. Capa da Playboy. Ex-moradora de Realengo. Mas é claro que eu estava querendo vê-la de perto. E olha, pra ser bem sincero, se eu não conhecesse a história, e ela fosse colocada lado a lado com outras rainhas, e me fosse perguntado qual delas já tinha tido um bilau, não diria que era ela. Simpática e acessível, Ariadna também não desfilou com a fantasia completa (os seios foram tapados na hora), entretanto riu o tempo todo.
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Ariadna Thalia (Fonte: Internet)
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Contamos com a simpatia dos espectadores no sambódromo, que nos aplaudiam e tentavam nos animar. Não era necessário, uma vez que todos nós ali estávamos nos divertindo e muito tranquilos (me senti bem confortável, aliás, perto de algumas fantasias que os carnavalescos inventam para a bateria).
No fim, aconteceu o que todos imaginaram. A Unidos da Vila Santa Tereza ficou em último lugar e foi rebaixada. Triste, mas muito justo.
Segue aí um compacto do desfile: